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1.3. Valorizar as pensões e fazer justiça a quem trabalhou

Portugal continua a ter pensões muito baixas, resultantes de salários baixos e carreiras contributivas débeis, uma baixa taxa de substituição de rendimentos na velhice (ou seja, a maioria das pessoas ganha na reforma significativamente menos do que os rendimentos que auferia enquanto tinha um emprego) e uma elevada taxa de pobreza entre os idosos.

Ao mesmo tempo que a idade da reforma tem vindo a aumentar devido às  regras que a vinculam à esperança média de vida (até 2013, a idade legal da reforma era fixa: 65 anos; em 2022 será de 66 anos e 7 meses); o regime das reformas antecipadas é de grande complexidade, com uma miríade de regras diferenciadas, algumas das quais provocam legítimas apreensões e grandes injustiças relativas que acabam por descredibilizar o sistema. Se a regra é que a reforma antecipada acontece apenas a partir dos 60 anos, e é sujeita a dois cortes – o “fator de sustentabilidade” (corte de 15,5% em 2021) e o “fator de redução” (corte de 0,5% por cada mês que falta até à idade legal) – o facto é que a maioria das pensões antecipadas requeridas já não se encontra abrangida por estas regras, enquadrando-se em regimes especiais. Esses regimes resultam de decisões tomadas entre 2017 e 2020, nomeadamente no que diz respeito à eliminação de ambos os cortes nas muito longas carreiras contributivas (com mais de 46 anos de descontos, reforma a partir dos 60 anos sem cortes), nas profissões de desgaste rápido (deixou de se aplicar qualquer dos cortes) e, mais recentemente, para quem aos 60 anos tenha uma carreira contributiva de mais de 15 anos de descontos com 80% ou mais de incapacidade (reforma sem nenhum dos cortes para este subgrupo de pessoas com deficiência ou incapacidade). Além disso, foi eliminado o fator de sustentabilidade para quem, aos 60 anos, tenha 40 ou mais anos de descontos (neste caso, mantendo o “fator de redução”) e foi criada uma “idade pessoal de reforma” (reduz-se a idade legal da reforma em 4 meses por cada ano de desconto acima dos 40 anos de contribuições), à qual não se aplica nenhum dos cortes, nem fator de sustentabilidade nem fator de redução.

Restam, contudo, grupos de trabalhadores a quem continuam a aplicar-se duplos cortes injustificados. Quem começou a trabalhar criança e se reformou com 46 anos de descontos, hoje não sofreria qualquer penalização, mas como pediu a sua pensão antes de 2018, continuará a sofrer, toda a vida, um duplo corte na pensão. Quem se reformou através do regime de desemprego de longa duração. Quem teve pensões de desgaste rápido entre 2014 e 2018 (antes disso, e depois, corte de “sustentabilidade” não se aplica). Quem se reformou com 40 anos de descontos aos 60 ou mais de idade, mas foi penalizado para toda a vida por tê-lo feito antes da entrada em vigor das atuais regras em outubro de 2019. A todas essas pessoas ainda se aplicam penalizações injustas e que devem terminar.

Acabar com a dupla penalização nas pensões é possível e sustentável

Quando foi criado em 2008, pelo PS, o chamado “fator de sustentabilidade” (FS) aplicava-se a todas as pensões, porque a idade da reforma era fixa: 65 anos. O chamado “fator de sustentabilidade” pretendia  fazer repercutir o efeito do aumento da esperança média de vida no valor da pensão, porque o sistema assentava numa idade legal da reforma fixa. Se a pessoa quisesse trabalhar para além dos 65 anos, podia continuar a trabalhar mais uns meses e anulava esse corte.

Desde 2013 que não há uma idade fixa de reforma, mudando todos os anos. Por outro lado, PSD e CDS alteraram a base a partir da qual se calcula o corte de “sustentabilidade”, tomando como referência a diferença com o ano 2000 e não com o ano de 2006, triplicando o valor do corte.

Atualmente, os dois grandes instrumentos de sustentabilidade do sistema por via do fator demográfico são a “idade móvel de reforma” (que varia em função da esperança média de vida) e o “fator de redução” (um corte de 6% por cada ano que faltar para a idade pessoal ou legal de reforma). Este fator funciona como um forte dissuasor das reformas antecipadas. Desde 2014, o chamado “fator de sustentabilidade” (adicional ao “fator de redução”) deixou de ser um elemento estruturante do sistema e passou a configurar uma dupla penalização ilegítima e sem fundamento, mesmo à luz dos argumentos com que foi imposto. A mera eliminação do “fator de sustentabilidade” não elimina o “fator de redução”, não mexe na idade móvel da reforma nem nas regras de acesso às pensões antecipadas.

Aplicada aos pensionistas que requereram a reforma em 2020, a proposta de eliminação do fator de sustentabilidade teria tido como universo 10 mil pessoas. Tendo em conta o valor médio mensal das pensões da Segurança Social (474 euros em 2019), o impacto seria de cerca de 11 milhões de euros num ano. Mesmo considerando a aplicação também à Caixa Geral de Aposentações, estimando na mesma percentagem (cerca de 11% do universo de reformados em 2020) e considerando que o valor médio mensal destas pensões é mais elevado (1098 euros), chegamos a um impacto de mais de 5 milhões de euros.

Recalcular o valor a 62 mil reformas antecipadas pedidas entre 2014 e 2018, que tiveram severos cortes que não ocorreriam sob as regras atuais, mas que permanecem para aquelas pessoas perpetuamente, é uma medida que se aplica a um universo fechado e sempre decrescente, por razões demográficas. Tendo em conta o valor médio das pensões antecipadas requeridas nesse período (que rondará os 500 euros), a eliminação deste corte teria um impacto de cerca de 60 milhões, decrescendo em cada ano.

As duas propostas em conjunto representam, em despesa, menos de um terço do valor anual que o adicional do IMI (proposto pelo Bloco) tem dado de receita à Segurança Social.

A sustentabilidade da Segurança Social tem de ser analisada tendo em conta, pelo menos, três dimensões distintas. O fator demográfico (esperança média de vida, evolução da natalidade e saldo migratório), os fatores económicos (crescimento, criação de emprego e níveis salariais) e os mecanismos de funcionamento e de financiamento do próprio sistema (contribuições e diversificação das fontes de financiamento da segurança social). Os fatores de desequilíbrio da sustentabilidade da Segurança Social no período da austeridade resultaram das escolhas de política económica: aumento do desemprego (menos contribuições e mais despesa social), precariedade (que atira pessoas para fora do sistema), baixos salários (a que correspondem baixas contribuições, incapazes de garantir pensões decentes), emigração (que levou meio milhão de pessoas para fora do país nesse período). As propostas da direita para a Segurança Social continuam a ser os cortes nas pensões, a compressão da proteção social, a descapitalização por via de descontos às empresas, o modelo de baixos salários e a capitalização de uma parte dos sistemas que deveria migrar para o negócio privado.

A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social. Mas o sistema enfrenta desafios, resultantes nomeadamente das mudanças da estrutura demográfica e das transformações na estrutura de produção (robotização, aumento de produtividade). Esses desafios devem ser respondidos fazendo reverter os ganhos de produtividade e a inovação tecnológica em mais tempo para viver e maior qualidade de vida. No período entre 2015-2019, foi possível avançar num conjunto de medidas que trouxeram mais justiça ao sistema de pensões e, simultaneamente, mais fontes de financiamento da Segurança Social, reforçando sobretudo o seu Fundo de Estabilização Financeira. Mas o equilíbrio do sistema deve passar ainda pelo combate à informalidade e precariedade do emprego e pela melhoria dos salários, fatores cruciais para romper o padrão de pensões muito baixas, e pelo aprofundamento da contribuição das empresas de capital intensivo, não apenas em função do número de trabalhadores e de trabalhadoras, mas também do seu valor acrescentado líquido.

Bloco defende e já conseguiu reforçar a sustentabilidade Segurança Social

A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social: a receita de contribuições é hoje superior à despesa com pensões do sistema previdencial. Mas, além disso, outras propostas do Bloco têm reforçado a sustentabilidade da Segurança Social trazendo mais receita ao sistema.

Só com as receitas que resultaram do adicional ao IMI sobre o património de luxo foi possível reforçar com mais 477 milhões de euros nos últimos 3 anos (2018-2020) o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Em 2020, foram transferidos 304 milhões para a segurança social por via desta proposta do Bloco que se tornou lei.

Mas não só. O Bloco também apoiou a consignação de uma parte do IRC à Segurança Social, o que permitiu reforçar o seu financiamento com 377 milhões de euros em cada ano, ou seja, mais de 1000 milhões entre 2019 e 2021. Com estas medidas, o esgotamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social foi adiado em quase 20 anos.

Por outro lado, o Bloco propôs uma outra forma de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social: uma contribuição de 0,75% sobre o valor acrescentado das grandes empresas (que exclui todas as micro, pequenas e médias empresas), o que representaria um acréscimo de receitas de cerca de 300 milhões de euros/ano para a Segurança Social. Persistimos nessa proposta, que será fundamental para o futuro do sistema.

A este conjunto de medidas corresponde um valor muitíssimo maior de receita do que toda a despesa das propostas que o Bloco apresenta para fazer mais justiça nas pensões. As propostas do Bloco reforçam a segurança social pública e aprofundam a sua sustentabilidade.

As propostas do Bloco:

  • Alteração das regras de atualização das pensões, integrando no cálculo os valores do crescimento e da inflação, garantindo que nenhuma pensão perde poder de compra de ano para ano;

  • Aumento do valor mínimo das pensões, de modo a garantir que, independentemente dos apoios e dos complementos sociais aplicáveis, o valor das pensões de carreiras contributivas de 20 ou mais anos de descontos fica sempre acima do limiar de pobreza.

  • Eliminação do “fator de sustentabilidade”. Depois de todas as alterações aprovadas entre 2017 e 2020 ele já só tem uma aplicação residual (cerca de 10% das pensões requeridas). Não faz sentido manter-se, nomeadamente porque o impacto da esperança média de vida já foi incorporado noutros elementos do sistema;

  • Retirada do corte aplicado a quem se reformou entre 2014 e 2018 com elevadas penalizações que não existiriam sob as regras de hoje;

  • Recálculo das pensões de quem tem mais de 40 anos de descontos, bem como das pensões dos regimes de desgaste rápido, para eliminar do seu valor o corte do fator de sustentabilidade. É uma questão de justiça relativa para criar condições de igualdade face às alterações feitas em 2018, 2019 e 2020, e é uma questão de reconhecimento de quem trabalhou uma vida, havendo inclusive um precedente no OE 2021 e na proposta da Assembleia Regional dos Açores.

  • Aprofundamento do conceito de “idade pessoal da reforma”, para um regime mais justo e progressivamente sem cortes. A idade pessoal deve ser reduzida face à idade geral em função de carreiras acima dos 40 anos de descontos, em pelo menos um ano por cada ano a mais de contribuições. Deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho por turnos em pelo menos seis meses por cada ano de trabalho nesta modalidade. E deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho realizado com elevados grau de incapacidade;

  • Diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. A contribuição deve ser feita não apenas em função do número de trabalhadores, mas também do seu valor acrescentado líquido. A proposta do Bloco é de uma contribuição de 0,75% sobre o Valor Acrescentado Líquido das grandes empresas, (ou seja, excluindo todas as PME, que são a esmagadora maioria do tecido empresarial português), garantindo mais justiça no esforço contributivo entre empresas com muitos trabalhadores e empresas com poucos trabalhadores mas grandes lucros;

  • Alargamento do acesso ao Complemento Solidário para Idosos (CSI), elevando o seu valor de referência e eliminando definitivamente a norma que contabiliza os rendimentos dos filhos e das filhas para acesso a esta prestação social;

  • Reforço do Estatuto do Cuidador Informal nas dimensões seguintes: i) reconhecimento da prestação de cuidados informais para efeitos de pensão de velhice; ii) concretização do direito ao descanso e a férias por via de mais vagas na Rede de Cuidados Continuados e do apoio domiciliário acessível a todas as pessoas que dele necessitem; iii) redução do tempo de trabalho e do trabalho a tempo parcial, com mecanismos de compensação dos rendimentos abaixo de um determinado patamar (tomando o valor do SMN como base); iv) garantia de que o subsídio de apoio chega a todos os cuidadores que precisam, alterando a condição de recursos e as regras de exclusão em função da morada ou da condição de pensionista.

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