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4. Uma mudança na política de cuidados: o Serviço Nacional de Cuidados

A pandemia expôs as várias dimensões da “crise de cuidados” que vivemos. A provisão de cuidados sociais continua a assentar, em grande medida, nas famílias e, dentro destas, a sobrecarregar as mulheres no cuidado de crianças, idosos e pessoas dependentes.

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. No ano de 2020, 23% da sua população tinha mais de 65 anos de idade, o que torna mais urgente a adoção de políticas públicas eficazes a enfrentar o combate ao isolamento e solidão, bem como a diminuir a taxa de risco de pobreza deste grupo geracional, sendo que as mulheres se encontram entre as mais atingidas por este flagelo.

O nosso país tem, além disso, uma escassa taxa de cuidados formais: menos de 13% dos idosos têm acesso a apoio de profissionais, seja apoio domiciliário, seja apoio institucional (centros de dia e lares). A rede de cuidados continuados não tem mais de 15 mil vagas, num país em que as necessidades ultrapassam muito a oferta. A despesa pública em cuidados de longa duração é irrisória: 0,4% do PIB, quando em países do norte da Europa, por exemplo, é dez vezes mais. 37% dos mais de 100 mil lugares em creche não têm comparticipação pública. Por outro lado, a escassez de cuidados formais não é sequer compensada com o reconhecimento do cuidado informal e com transferências sociais para as famílias: o estatuto do cuidador informal tem vindo a ser boicotado pelo Governo e não abrange mais do que 900 pessoas em todo o país, as prestações por dependência oscilam entre os 105 e os 190 euros mensais.

O modelo de cuidados que temos é injusto, promove a desigualdade e a divisão sexual do trabalho e assenta na externalização e na precariedade. As respostas para a infância, para a velhice e para a dependência são protagonizadas pelo setor social privado, financiado por acordos de cooperação com a Segurança Social (cerca de 1500 milhões de euros por ano)  e tem vindo a ser rejeitado que o Estado disponha de uma rede pública de creches, de respostas para a velhice e a dependência ou de uma bolsa pública de ajudantes familiares ou assistentes pessoais. Nos cuidados continuados, só 2% da oferta é pública. Em algumas tipologias, não há nenhuma resposta pública, mas sim uma parte comparticipada pelo Estado.

Entre as profissionais de cuidados e do serviço doméstico (em ambos os casos, cerca de 90% mulheres) a precariedade e os baixos salários são a norma. A área dos cuidados é das que mais tem criado emprego, mas num modelo precário. Ao mesmo tempo, grandes multinacionais têm vindo a organizar-se na Europa para criarem um mercado de cuidados, particularmente para idosos, aproveitando os vazios da política pública. Criar uma resposta a esta lacuna, garantindo a criação de dezenas de milhares de postos de trabalho com direitos, deve ser uma prioridade da esquerda. Os modelos de resposta que hoje prevalecem, assentes na institucionalização das pessoas, na estandardização  de procedimentos e na desvalorização da autonomia de cada um e cada uma geram sofrimento e têm de ser repensados.

É preciso uma mudança paradigmática. Essa transformação no modo de organizar os cuidados em Portugal tem várias dimensões: culturais, laborais e económicas. E deve ser feita a vários tempos.

O Bloco propõe que se responda no imediato às necessidades do envelhecimento e à dependência, reforçando as respostas sociais.

As propostas do Bloco:

  • Investimento na rede de serviços de proximidade e de cuidados domiciliários, como suporte de continuidade das pessoas nas suas casas e na comunidade;

  • Reforço da comparticipação estatal nos acordos de cooperação com o setor social para valores que acompanhem a inflação, de forma a cobrirem as despesas das mais variadas respostas dadas atualmente pelas IPSS;

  • Reformulação dos acordos de cooperação com o setor social para permitir a adaptação das respostas sociais às necessidades da população, designadamente através de alargamento de horários de funcionamento;

  • Inspeção regular das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (Lares) e dos Centros de Dia, tanto nas condições de segurança como na garantia da qualidade dos cuidados prestados e adequação de funções dos e das profissionais que lá trabalham;

  • Exigência de contrapartidas laborais nos acordos de cooperação com IPSS, designadamente a progressiva uniformização das tabelas salariais entre setor social e as mesmas categorias no setor público, a existência de contratos estáveis e o não recurso a falsos recibos verdes por parte das instituições com as quais o Estado celebra acordos de cooperação;

  • Exigência de que seja alargado a todo o território nacional e aplicado integralmente o Estatuto dos Cuidadores e Cuidadoras Informais, reconhecendo o seu trabalho na prestação de cuidados;

  • Prioridade ao policiamento de proximidade que, em articulação com as autarquias locais, USF ou Centros de Saúde, permitam a sinalização de séniores em risco, seja de violência, seja de solidão, seja de pobreza extrema;

  • Criação de um Sistema de Telecuidado público articulado com o SNS;

  • Garantia de médico de família para maiores de 65 anos e resposta adequada de cuidados paliativos;

  • Criação de unidades locais de reabilitação e suporte a pessoas com doenças degenerativas em todas as freguesias ou por uniões de freguesia.

O Bloco defende ainda que se repense profundamente a política pública de provisão de cuidados. Para isso, propõe a criação de um Serviço Nacional de Cuidados, que desenvolva em todo o território uma rede de respostas públicas na área da infância, da velhice, da dependência e da promoção da autonomia, de caráter universal e tendencialmente gratuito:

  • Este serviço deve começar pela criação de respostas públicas nas tipologias que a lei já prevê (creches, centros de dia, centros de noite, estruturas residenciais para pessoas idosas, apoio domiciliário, centros comunitários, centros de atividades ocupacionais, unidades de cuidados continuados, equipas de cuidados paliativos, entre outros), a partir da identificação das zonas com maior carência de resposta e da identificação de imóveis que sejam propriedade do Estado e que possam ser utilizados para o efeito;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve também promover a articulação entre os serviços de saúde e da segurança social, nomeadamente integrando o apoio domiciliário hoje apoiado pela Segurança Social com a intervenção domiciliária das equipas de cuidados na comunidade existentes na rede de cuidados primários de saúde. O Serviço Nacional de Cuidados deve promover também a articulação entre segurança social e educação, nomeadamente nas respostas à infância e na concretização da rede pública de creches;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve tutelar as respostas aos cuidadores e cuidadoras informais, concretizando todas as dimensões em falta no Estatuto dos Cuidadores Informais, designadamente o descanso ao cuidador, o apoio domiciliário, o acesso à rede de cuidados continuados e o acesso a licenças;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve promover um plano de desinstitucionalização que passe pela construção e pelo financiamento de novas respostas assentes na autonomia das pessoas e na sua associação cooperativa: modelos de co-habitação e novos formatos de habitação pública com infraestruturas de cuidados (centros de convívio, lavandarias públicas, espaços para crianças, cozinhas partilhadas), uma bolsa nacional de apoio domiciliário (incluindo cuidados sociais, de saúde, serviço doméstico e atividades culturais para pessoas dependentes) e uma bolsa nacional de assistentes pessoais (na linha do modelo da Vida Independente, que deve merecer um investimento robusto);

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve prever a possibilidade de parcerias público-público, eliminando desde logo a impossibilidade legal de financiamento direto da Segurança Social a respostas sociais geridas pelos municípios e freguesias;

  • Numa segunda fase, o Serviço Nacional de Cuidados pode paulatinamente internalizar algumas das funções e dos equipamentos que fazem atualmente parte da rede de instituições do setor social, como se fez aquando da criação do Serviço Nacional de Saúde, dando coerência e planeamento a uma rede pública em todo o território.

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