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17. O direito à cultura, às artes e ao património

A cultura foi um dos setores mais afetados pela pandemia, com as medidas sanitárias a impedirem ou condicionarem fortemente atividades ao longo do tempo. Com a paragem – e num ambiente crónico de desregulação laboral e fragilidade das políticas públicas – milhares de trabalhadores ficaram sem trabalho e , em tantos casos sem acesso ao subsídio de desemprego ou mesmo aos apoios extraordinários criados neste período. A quebra de receitas das instituições culturais – das artes ao património – pôs em causa tarefas básicas de manutenção e ditou mesmo encerramentos definitivos. Os programas lançados pelo governo durante a pandemia, e em resposta à força reivindicativa sem precedentes de um sector em desespero, revelaram-se desadequados e insuficientes e as redes de solidariedade entre trabalhadores foram (e são) essenciais.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura, aprovado pelo governo sem debate parlamentar e com um simulacro de diálogo com as organizações do setor, não dá garantias de uma mudança significativa. Faltam mecanismos de imposição do cumprimento da legislação laboral, de promoção do contrato de trabalho e combate aos falsos recibos verdes, e um regime de proteção no desemprego abrangente e adequado às especificidades do setor. 

A desregulação laboral e a desproteção social dos trabalhadores é um dos problemas estruturais do setor cultural, mas não o único. Nos últimos vinte anos, as políticas públicas para a Cultura sofreram uma estagnação, tanto orçamental como teórica, com as suas atividades nucleares – património, arqueologia e artes  – convertidas em adereço promocional da iniciativa turística e imobiliária. Faltaram políticas públicas de democratização ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos). O extenso património português classificado pela UNESCO como Património Cultural Mundial, seja material ou imaterial, está sem a devida monitorização e o Ministério da Cultura não desenvolveu planos específicos para a sua preservação. No Programa Revive, o Ministério da Cultura assumiu-se como sucursal do Ministério da Economia para a política turística, fazendo letra morta da Lei de Bases do Património Cultural, abdicando de garantias de acesso ao património classificado agora concessionado. A exceção foi o lançamento do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, salvo pela indignação pública com o projeto de transformação em unidade hoteleira. A atualização de sistemas de inventário e arquivo, a promoção da investigação ou o trabalho em rede dos equipamentos culturais foram pura e simplesmente esquecidos. 

Os acordos do PS com os partidos de esquerda em 2015 criaram enorme expectativa no setor cultural quanto a um projeto de recuperação, muito necessário, e a um salto qualitativo e quantitativo nas políticas públicas, perfeitamente possível mas que não se concretizou. É significativo que, nos últimos seis anos, os únicos avanços na democratização cultural do país tenham sido alcançados no período 2015-2019 e por proposta do Bloco de Esquerda: aumento da oferta em sinal aberto da Televisão Digital Terrestre, redução do IVA para espetáculos e criação da Rede de Teatros e Cineteatros. Esta rede, uma proposta em que o Bloco de Esquerda insistiu durante mais de uma década, começa agora a fazer caminho.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura

A proteção social que o governo definiu no Estatuto dos Profissionais da Cultura fica muito aquém das expectativas e das necessidades. Ao contrário do prometido, o novo apoio no desemprego exclui uma parte importante dos trabalhadores e não responde à condição intermitente. 

A reabertura de espaços ou o fim das limitações que foram impostas a atividades culturais, por si só, não resolvem os problemas que a pandemia tornou mais visíveis. A desregulação laboral e a desvalorização das profissões do setor mantêm-se e a fragilidade económica das instituições agravou-se. Estamos, assim, perante uma dupla responsabilidade nas políticas públicas para a cultura: recuperar da crise pandémica e responder pelos problemas estruturais. 

1% para a Cultura!

Portugal investe em Cultura metade da média europeia e a pandemia expôs com violência os efeitos do subfinanciamento da Cultura: trabalhadores com salários de miséria e condenados à mais absoluta precariedade. A exigência de 1% para a Cultura não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.

O Ministério da Cultura limitou-se à gestão corrente de recursos mínimos, cujas cativações impediram que as pequenas melhorias aprovadas em sucessivos orçamentos vissem a luz do dia. Esta ausência de resposta e de estratégia produziu mobilizações que saíram às ruas. O Bloco de Esquerda dialoga com essas mobilizações e avança um programa que lhes responde.

As propostas do Bloco:

  • Alteração do Estatuto dos Profissionais da Cultura, com medidas concretas para a promoção de contratos dos trabalho e combate à precariedade – em especial ao falso trabalho autónomo – , mais apoio à reconversão nas profissões de desgaste rápido e universalização do acesso à proteção social na intermitência; 

  • Programa de combate ao trabalho informal, com responsabilização das entidades patronais e possibilidade de reconstituição de carreiras contributivas;

  • Vinculação dos trabalhadores precários dos organismos públicos e autonomia de contratação das instituições públicas para preenchimento dos lugares de quadro vazios;

  • Garantia do cumprimento da legislação laboral, nomeadamente a celebração de contratos de trabalho, nos protocolos e programas de financiamento público a instituições e projetos culturais;

  • Criação de uma plataforma online com recursos e materiais úteis aos trabalhadores da cultura, como legislação laboral, informação sobre proteção social e fiscalidade, minutas de contratos, documentos de boas práticas e contactos úteis;

  • Programa excepcional de recuperação do tecido cultural com apoio à retoma de atividade de micro e pequenas empresas e de associações, agentes e produtores, salas de espetáculos e outros espaços culturais de pequena dimensão, incluindo apoio à regularização de contratos de trabalho e à recontratação de trabalhadores da cultura que se viram forçados a procurar outra atividade desde o início da pandemia;

  • Inscrição no Orçamento do Estado a dotação de 1% do PIB para a Cultura;

  • Criação de uma Lei de Bases da Cultura que redefina o papel do Estado na democratização e universalização dos serviços públicos de Cultura, reorganizando legislação e reativando e redes existentes, como a Lei Quadro dos Museus Portugueses, a Lei de Bases do Património Cultural, a Rede Nacional de Bibliotecas e a Rede de Teatros e Cineteatros;

  • Reativação do Observatório das Atividades Culturais como organismo do Ministério da Cultura e redefinição do Conselho Nacional de Cultura como local de pensamento estratégico das políticas públicas de cultura, nomeadamente garantindo a autonomia da secção de património e extinguindo a secção de tauromaquia;

  • Financiamento plurianual dos equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, bibliotecas e arquivos nacionais), das orquestras regionais e das entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado; concursos, protocolos e financiamento em prazos compatíveis com a programação; transparência e simplificação dos respetivos procedimentos;

  • Revisão da tutela dos museus, património classificado e património arqueológico, combatendo o gigantismo da DGPC, e efetivar a aplicação da Lei da Autonomia e Monumentos;

  • Recuperação dos laboratórios de conservação e restauro, dotando-os dos meios necessários e salvaguardando o saber acumulado durante décadas nesta área;

  • Definição de estratégias diferenciadas para os usos de interesse público do Património;

  • Promoção dos Arquivos Nacionais, com garantias de autonomia, meios adequados e política de novas incorporações para a Torre do Tombo e para o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento e com a concretização do Arquivo do Som;

  • Programa de salvamento e valorização de arquivos e inventários do Património Cultural Português material e imaterial;

  • Criação de um Observatório de Monitorização do património português classificado como Cultural da Humanidade, composta maioritariamente por entidades não governamentais;

  • Identificação, classificação e promoção dos sítios representativos do Património Cultural Imaterial da Humanidade, incluindo linhas de apoio a artesãos, casas de fado, sedes da prática coletiva do cante alentejano e outras coletividades que mantêm vivo o património imaterial classificado;

  • Reforço dos meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação (Biblioteca Nacional, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca da Academia das Ciências, entre outras), garantindo quadros de pessoal e políticas de aquisições e sensibilização de públicos adequados à sua missão;

  • Revisão da Lei do Preço Fixo do Livro, combatendo a concentração do mercado livreiro e promovendo mecanismos de apoio a livrarias e editoras independentes;

  • Definição da missão do Fundo de Fomento Cultural e estabelecimento de mecanismo de transparência nos protocolos com as fundações financiadas (Serralves, Casa da Música, Museu Berardo, entre outras);

  • Aumento significativo e diversificação do financiamento à criação artística e aos projetos de difusão da criação artística, considerando redes de programação e áreas que têm sido marginalizadas nos programas de financiamento (literatura, música e artes plásticas, entre outras); novas linhas de financiamento (artistas jovens, projetos artísticos nas escolas, entre outras); mecanismos de coesão territorial na distribuição do financiamento;

  • Aumento progressivo da linha de financiamento à programação dos equipamentos da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e criação de outras linhas de financiamento associadas à RTCP, para formação profissional, aquisição de equipamentos, medidas de sustentabilidade energética, entre outras.

  • No cinema e audiovisual, a par com o reforço do financiamento, combate ao monopólio na distribuição, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;

  • Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, incluindo quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;

  • Imposição de mecanismos de justa retribuição aos autores, artistas e intérpretes na transposição das directivas relativas a direitos de autor e direitos conexos em streaming e no Mercado Único Digital;

  • Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística;

  • Promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media, reforço de políticas culturais de proximidade através de contratos locais de parceria entre equipamentos culturais, sociais, escolas e outros;

  • Promoção da produção e fruição da cultura: presença de produção nacional na web, com disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalização da partilha não comercial, programa estratégico para arquivos, definição de critérios de coleção, preservação, documentação, digitalização e acesso público;

  • Criação de um plano de visibilização, fomento e mediação dirigido a manifestações culturais de comunidades minoritárias;

  • Garantia do acesso pleno a pessoas com diversidade funcional a equipamentos culturais, apoio à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos;

  • Política de preços que garanta o direito de acesso aos equipamentos culturais: programas de acesso livre para estudantes, desempregados e reformados, bilhetes de família a preços acessíveis e dias de acesso gratuito.

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