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18.2. Democratizar as Instituições de Ensino Superior, combater a mercantilização e reverter a precariedade

O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos, ao mesmo tempo que remeteu para um nível quase simbólico a democracia na gestão da academia. O RJIES estabeleceu ainda uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições.

A empresarialização da gestão académica, combinada com o défice democrático, transformou o Ensino Superior numa fábrica de gente precária: falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, uso e abuso da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugar de carreira são apenas alguns exemplos do estado de degradação que o setor atingiu. A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) trouxe luzes sobre a dimensão da precariedade na investigação e no ensino superior. No entanto, quer o PREVPAP quer a Lei 57/2017 têm tido uma aplicação muito limitada, tendo esbarrado na oposição de muitos reitores e na inação do governo.

Durante a pandemia, o aumento do assédio laboral e a maior concentração de poder nos reitores e presidentes dos politécnicos tornaram ainda mais desigual esta relação que, na verdade, deveria pautar-se por um respeito profissional e académico entre pares.

Por um novo modelo de acesso ao ensino superior

Desde meados da década de 90, com a introdução dos Exames Nacionais do Ensino Secundário e a extinção das provas de ingresso, foi atribuída ao ensino secundário uma responsabilidade que, à partida, não deveria ser sua: a seleção dos alunos que entram no ensino superior. A competição desenfreada pelos melhores lugares nos rankings, medidos apenas pelo desempenho nos exames nacionais, fez com que as escolas privadas tenham transformado o ensino secundário numa mera preparação para estas provas, desvalorizando outros aspectos, como a educação para a cidadania, a educação para a saúde e o trabalho de projeto. É necessário lançar os alicerces para um debate alargado que promova um novo modelo de acesso, o fim dos exames nacionais e novos instrumentos de aferição de conhecimentos e competências.

O Programa de Estímulo ao Emprego Científico, a decorrer nos últimos dois períodos legislativos, falhou os seus principais objetivos, não tendo sido capaz de reforçar o emprego científico, nem de potenciar o impacto da investigação científica no ensino superior. Pelo contrário, alargou o fosso entre a Ciência e o Ensino Superior, permitiu que a empresarialização da gestão académica fosse instrumentalizada para facilitar a precariedade, e agudizou o défice democrático nas instituições de Ensino Superior.

O PREVPAP na Ciência

A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) expôs claramente a dimensão deste problema – na área da Ciência foram recebidos 3200 pedidos para regularização de docentes e investigadores, dos quais apenas 10% tiveram parecer positivo.  De igual modo, é de prever que o número de contratados sem termo no final do processo que decorreu ao abrigo da norma transitória do Decreto-Lei n.º 57/2016 será também reduzido, em função do mesmo tipo de obstáculos ao reconhecimento do seu vínculo.

A oposição de muitos reitores e a inação do governo têm sido fatores críticos para o falhanço destes programas, sobrepondo-se com frequência à aplicação da lei e contribuindo para a manutenção sistemática de falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, e uso abusivo da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugares de carreira. A estes problemas soma-se ainda uma tendência crescente de privatização do enquadramento contratual do trabalho docente e de investigação.

Ao longo dos últimos seis anos, ficou claro que apenas as restrições ao acesso a financiamento contribuíram com sucesso para impor os contratos de trabalho como  vínculo normal para o trabalho científico. É, portanto, nestas medidas que devemos apostar. A obrigatoriedade de cumprir uma percentagem crescente de investigadores nos quadros para acesso a financiamento, parece ser o caminho. No entanto, sem um aumento progressivo e sustentado do financiamento plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior e ciência, o combate à precariedade será sempre uma batalha perdida.

É também imperativo promover uma revisão articulada dos estatutos de carreira de investigação e docência, de modo a permitir uma maior compatibilização entre ambos, revendo também os mecanismos de progressão de forma justa, transparente e abrangente, e pondo fim ao recurso a legislação avulsa para benefício apenas de alguns.

No que respeita ao sistema científico nacional, os últimos seis anos provaram que o funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é pautado por uma burocratização estrutural que, aliada à falta de meios e pessoal técnico, deixa o setor numa imprevisibilidade e atrasos constantes. O aumento do orçamento para a ciência, proposto neste Programa, deverá ser executado com rigor e acompanhado de uma avaliação consequente dos programas de investimento anteriores. Também o funcionamento da FCT carece de reavaliação.

As propostas do Bloco:

  • Atingir, na próxima legislatura, 3% do PIB em investimento em ciência e investigação, financiamento esse maioritariamente público e que reequilibre a relação de investimento em ciência básica e ciência aplicada;

  • Financiamento público plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, com a contrapartida de um mecanismo avaliativo sobre implementação de políticas na melhoria da ação social escolar e do combate à precariedade;

  • Eliminação das propinas de licenciatura através de um plano de redução faseado da propina máxima, de forma a atingir gratuitidade da frequência do ensino superior público em 2023;

  • Redução do valor das propinas de mestrados e doutoramentos: a curto prazo, através da fixação de um teto máximo nacional não superior aos valores praticados de bolsas de ação social (no caso do 2 ciclo) e, a médio prazo, aplicando o mesmo mecanismo faseado relativo às propinas de licenciatura;

  • Revisão do Estatuto do Estudante Internacional, propondo um modelo solidário de apoio a estudantes oriundos da CPLP, otimização da relação entre estudante/instituição de ensino superior/serviços do estado português e programas de combate ao racismo e à xenofobia;

  • Plano Nacional com fundos públicos para o alargamento da rede de residências estudantis e revisão do regulamento de bolsas com reformulação da fórmula de cálculo e definição de um calendário certo e regular para a transferência das bolsas;

  • Revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, recuperando o princípio da participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e o princípio da eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo;

  • Discussão sobre um Novo Modelo de Acesso ao Ensino Superior e o fim dos exames nacionais;

  • Revisão dos estatutos das carreiras docentes com definição de critérios claros de avaliação de desempenho e regras justas de progressão;

  • Valorização do Ensino Superior Politécnico, aprofundando o seu financiamento e os mecanismos de ação social, garantindo efetivamente a possibilidade destas instituições ministrarem doutoramentos e reforçando a sua capacidade na área da investigação científica;

  • Alteração do modelo de funcionamento da FCT, através da contratação de pessoal especializado, um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão e melhor ligação com o setor científico;

  • Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e obrigatoriedade de contratação de investigadores e investigadoras ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica através de um rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário;

  • Regulamentação das Carreira de Docente no Ensino Superior Privado, em negociação com as organizações representativas da classe;

  • Alargamento dos Centros de Ciência Viva no país, aproximando este programa da realidade educativa, social e cultural desses territórios.

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