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12.1. Reduzir a despesa em juros da dívida soberana

A dívida externa é excessiva e um risco para o país. Medida pela posição de investimento internacional líquido de Portugal, a sua dependência financeira externa era de -208 mil M€, ou -99,5% do PIB, no segundo trimestre de 2021.

Ao mesmo tempo, o juro da dívida pública pesa excessivamente: mesmo com substanciais reduções das taxas de juro das novas emissões, em função da política do Banco Central Europeu, Portugal ainda gastará, em 2022, 5108 milhões de euros em juros da dívida soberana, cerca de 2,6% do PIB. É necessário reduzir essa vulnerabilidade e essa despesa. No fim do terceiro trimestre de 2021, a dívida pública atingia 131,%, ou 272 mil milhões: se o valor for considerado líquido de depósitos das administrações públicas, esse total será de 249 mil milhões. Trata-se de uma ligeira redução desde 2020 (135% do PIB). Entretanto, o défice orçamental de 2021 poderá ficar abaixo de 4,3% do PIB, previstos pelo governo na proposta de Orçamento do Estado para 2022.

Mesmo que se mantenham os obstáculos institucionais a uma reestruturação de dívida pública negociada a nível europeu, o objetivo da política de gestão da dívida pública deverá ser reduzir a taxa de juro implícita da dívida pública para próximo de 1%, contribuindo para a melhoria das contas externas e da própria sustentabilidade das dívidas externa e pública. Uma vez atingido esse referencial, deve aumentar-se a maturidade de parte do stock da dívida pública, para assim melhorar a sua sustentabilidade.

A margem orçamental libertada através da redução da despesa com juros deve ser utilizada não para gerar saldos orçamentais primários crescentes, mas para o desenvolvimento sustentado do país, nomeadamente na política de transição ambiental, no investimento, na resposta à crise demográfica, nomeadamente na política de habitação, e na redução da dívida externa, aproveitando a possibilidade de emissão de dívida soberana a taxas de juro reais negativas para substituir stock de dívida cara.

Por outro lado, se a redução do peso da dívida pública beneficiará do aumento do crescimento nominal da economia portuguesa, esse objetivo só é possível através de uma política orçamental não restritiva.

A solução do PS e da direita

A solução que nos propõem é limitar a ação do Estado português a ajustamentos ocasionais por via de operações de troca de títulos, ao mesmo tempo que têm vindo a recomendar a aceitação das exigências do FMI e da Comissão Europeia no sentido de alongar o prazo médio de maturidades da dívida pública, para assim dar garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é das maiores da zona euro. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma forte componente de dívida de longo prazo, que foi cara até há pouco tempo e poderá voltar a sê-lo, e um stock de dívida elevado em percentagem do PIB.

As medidas que o Bloco apresenta já foram discutidas durante a vigência do acordo PS-Bloco e houve então um compromisso. Em abril de 2017, o Bloco de Esquerda assinou com o Grupo Parlamentar do PS as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho da Dívida Pública. O Bloco manteve a sua palavra e propôs em 2019, na sequência desse relatório, as seguintes políticas, que constituíram um plano que deve continuar a ser a agenda de uma reestruturação da dívida:

As propostas do Bloco:

  • Medidas de gestão de dívida:

    • Redução da dimensão da almofada financeira das administrações públicas, concentrando fundos no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP). Utilizar disponibilidades da almofada financeira para reduzir o nível de dívida pública em cerca de 10 p.p. do PIB;
    • Aumento do nível de emissões de Bilhetes do Tesouro para reduzir a maturidade residual média da dívida pública portuguesa para menos de 6 anos;
    • Eliminação do conceito de provisões para riscos gerais do Banco de Portugal, através da alteração do seu plano de contas do Banco de Portugal;
    • Compra permanente no mercado de dívida do próprio Estado a preços mais baixos, manipulando o preço da dívida e assim influenciando a taxa de juro;
    • Manutenção da política adotada entretanto pelo Banco de Portugal no sentido de reduzir as suas provisões e entregar ao acionista (Estado), sob a forma de dividendos, os lucros obtidos com a dívida pública portuguesa e redistribuídos pelo BCE.
  • Regras estruturais para a operação do IGCP:

    • Obrigatoriedade de apresentação de cenários alternativos ou decisões alternativas e apresentação dos cálculos do valor atual líquido das operações de gestão de dívida, recorrendo a taxa de desconto adequadas;
    • Impedimento à realização de emissões de dívida em moeda estrangeira;
    • Obrigação de depósito dos fundos do IGCP no Banco de Portugal ou no Bank of International Settlements;
    • Definição de um plano de contingência para situações de instabilidade e pânico no mercado de dívida pública português. Em situação de crise financeira, deve vender ativos estrangeiros (e.g., títulos de dívida pública de países da zona euro ou dívida dos EUA) e utilizar os fundos para recomprar dívida pública a desconto.
  • Um programa ousado de amortização e troca de títulos de dívida:

    • O Banco de Portugal tem cerca de 3 500 milhões de euros de provisões acumuladas. Parte significativa deste valor, que é excessivo face aos riscos cobertos, deve ser distribuída ao acionista na forma de dividendos e usada para amortizar dívida pública.
  • Reestruturação global da dívida: o Bloco mantém o objetivo de restruturação de dívida, através de uma redução permanente das taxas de juro, da substituição de títulos anteriores por novas emissões com juro inferior ou com maturidades diferentes que sejam afetadas a longo prazo pela inflação, ou de outras formas, nomeadamente:

    • Tal como apresentada pelo Grupo de Trabalho da Dívida Pública: redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos da dívida detida por instituições oficiais, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 M€/ano. Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2 228 M€ em cada ano.
    • Negociação mais ambiciosa, que leve em conta a recente redução nos juros de dívida pública nos mercados internacionais: por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, para 84% do PIB, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia desse modo para 71,6% do PIB.

Como a Islândia protegeu o seu povo

A Islândia nacionalizou em 2008, no início da crise financeira internacional, um banco falido, o Landsbanki. Mas não incluiu o seu ramo estrangeiro, Icesave, pelo que muitos depósitos, em particular de residentes na Holanda e Reino Unido, que tinham utilizado aquele banco na expectativa de juros e benefícios elevados, foram perdidos. A Holanda e o Reino Unido exigiram então uma compensação para esses depositantes, e o primeiro-ministro inglês chegou mesmo a utilizar a legislação anti-terrorista para confiscar bens islandeses.

Mas a Islândia decidiu usar o controlo de movimentos de capitais e recusar aquele pagamento. Para os e as contribuintes islandeses, não fazia sentido aceitar como dívida pública os prejuízos de bancos privados e sacrificarem-se com um aumento de impostos para pagar a conta. Houve então um referendo e a população decidiu rejeitar o pagamento e não reconhecer aquela dívida.

A Islândia foi mesmo o único país em que banqueiros foram julgados e presos.

O Tribunal Europeu recebeu um apelo dos governos holandês e britânico no sentido de impor a punição e o pagamento à Islândia e rejeitou-o. Este é um exemplo de como o público pode rejeitar o pagamento de uma dívida privada. Em novembro de 2018, uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça, no caso Kuhn, comprovou que um Estado nacional pode, se necessário, proceder a cortes unilaterais a dívida que esteja sob alçada da jurisdição nacional, sem que seja possível recorrer a tribunais internacionais como sede de resolução do conflito com os credores. Fica, portanto, confirmado que, se uma reestruturação da dívida pública sob jurisdição nacional não é alcançada por acordo, existe o direito legal da sua imposição pelo Estado.

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