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13.2. Tolerância zero aos offshores

Depois de muitos outras revelações mediáticas, como a suscitada pela investigação jornalística aos Panamá Papers, os Pandora Leaks voltaram a revelar como os offshores estão no centro do crime financeiro.  Com base em milhões de documentos associados a 14 empresas especializadas em offshores, a investigação revela como líderes mundiais, celebridades e criminosos utilizam estes serviços para ocultar a origem das as suas fortunas, para fugirem aos impostos, para evitarem perguntas incómodas ou até mesmo escaparem à justiça.

Ainda que estejam associadas a ilhas paradisíacas, metade do mercado offshore é detido por apenas quatro países europeus – Holanda, Suíça, Luxemburgo e Reino Unido – a que se juntam a Irlanda, os EUA (Delaware e Nevada), Hong Kong ou Singapura, e também o Panamá e as conhecidas ilhas Caimão, Jersey, Virgens Britânicas ou Bahamas. Cada um destes países ou regiões cumpre uma função específica, especializando-se em diferentes serviços oferecidos pela rede offshore, que funciona por centros geográficos. Se a Suíça, por exemplo, é exímia na proteção do segredo bancário, o Luxemburgo facilita a criação de veículos financeiros, e a Holanda oferece vantagens fiscais às empresas europeias. Hong Kong serve o capital chinês, e as Bahamas ou o Belize são tipicamente utilizados por criminosos internacionais.

Nenhuma razão é boa para justificar a existência destas jurisdições, que promovem uma corrida para o fundo em impostos e impedem padrões mínimos de decência financeira. Ao invés de promover o investimento ou o emprego, como às vezes é sugerido, os offshores criam uma economia de opacidade e desigualdade. Às grandes empresas e detentores de fortunas individuais é assim concedido o privilégio de escaparem às normas e leis que, por questões de justiça ou de segurança, se aplicam a todas as restantes pessoas. O resultado é a facilitação de atividades ilegais ou abusivas, a descredibilização dos sistema de justiça, o agravamento das desigualdades e a perda de importantes recursos financeiros que financiam os serviços públicos e o desenvolvimento económico.

Os líderes mundiais utilizam offshores

A recente fuga de informação associada com o caso Pandora Papers mostra ainda como a elite política está ligada ao crime económico, contornando as respectivas autoridades fiscais ao mesmo tempo que acumula riqueza em paraísos offshore. O rei da Jordânia deterá 70 milhões de libras em propriedade imobiliária luxuosa no Reino Unido e Estados Unidos, adquiridas através de veículos offshore enquanto aplica um programa autoritário de austeridade no seu país que recebeu 650 milhões de libras em ajuda humanitária nos últimos cinco anos. O primeiro-ministro da Républica Checa, eleito com uma propaganda populista anti-corrupção e crime económico, será dono de propriedades luxuosas na Riviera Francesa no valor de 22 milhões de euros, adquiridas através de offshores. Tony Blair, antigo primeiro-ministro do Reino Unido –  que enquanto concorria à liderança do Partido Trabalhista denunciava o sistema offshore – terá adquirido um edifício em Londres a uma companhia offshore de um ministro do Bahrain por 7,6 milhões de euros, evitando o pagamento dos impostos devidos. Em Portugal, a utilização de offshores surgiu associada a todos os grandes escândalos financeiros: no desvio de fundos do BPN, na operação para valorizar artificialmente as ações do BCP, nos crimes do BES e na fuga à justiça de João Rendeiro.

O preço dos offshores

Segundo o Relatório “Estado Atual da Justiça Fiscal” para o ano de 2021, foi estimada uma perda fiscal em todo o mundo de 427 mil milhões, entre ocultação de ativos e fluxos de renda em paraísos fiscais e a evasão fiscal por parte de empresas multinacionais, que utilizam as redes transnacionais para contornar as legislações nacionais a que estariam sujeitas. No caso português, as perdas anuais foram estimadas em 880M€.

Os países em desenvolvimento perdem entre 70 a 120 mil milhões de euros em receitas fiscais anuais transferidas por multinacionais para offshores. Embora sejam os países mais ricos que perdem mais receita de impostos para offshores – cerca de 245 mil milhões – os países em desenvolvimento sofrem impactos desproporcionais com a evasão fiscal, onde a receita tributária é urgentemente necessária. No contexto atual da grave crise pandémica e reduzido acesso à vacinação da Covid-19 por países em desenvolvimento, o relatório estima que por cada segundo que passa, os mais ricos privam em impostos o equivalente para vacinar completamente um milhar de pessoas. É que ao mesmo tempo que os paraísos fiscais arrecadam um euro em receita, estima-se que os governos por todo o mundo percam mais de seis.

Até agora, as principais medidas de combate à utilização de offshores dizem respeito à sua utilização para efeitos fiscais. A OCDE, que integra os principais centros offshore do mundo, centrou-se em duas grandes medidas que, sendo importantes, estão muito longe de resolver o problema. O CRS –  Common Reporting Standards visa criar mecanismos de troca de informações entre países, mas apresenta falhas importantes na celeridade e qualidade da informação trocada. O BEPS – Base Erosion and Profit Shifting, que visa combater a erosão das bases tributárias das grandes empresas, embora tenha trazido alguma transparência, não foi eficaz no combate ao planeamento fiscal agressivo. Embora importante, a proposta da OCDE para uma taxa mínima de 15% para as multinacionais confirma uma estratégia de mínimos que acabará por ter uma aplicação muito diferente dos objetivos declarados.

As recomendações da ONU

A ONU recomenda a criação de uma taxa tributária mínima global e a realização de uma Convenção da ONU sobre Tributação, estabelecendo uma alternativa às regras tributárias da OCDE – que à data têm promovido os interesses das grandes elites e o crescimento do sistema financeiro sombra.

Ainda que nenhum país possa declarar de forma unilateral o fim dos offshores, Portugal pode adotar um quadro legal de tolerância mínima ao recurso a estas jurisdições.

As propostas do Bloco:

  • Revisão da lista de offshores para que esta reflita a verdadeira natureza destas jurisdições e possa servir de referência a políticas de combate à corrupção, ao crime económico e ao abuso fiscal;

  • Criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshore;

  • Exclusão do acesso aos apoios públicos e contratação com o Estado a empresas que sejam direta ou indiretamente participadas, detenham participações diretas ou indiretas ou sejam beneficiárias últimas de entidades offshore;

  • Obrigatoriedade de publicação do organograma completo e detalhado das entidades coletivas que se enquadrem no âmbito de ação da Unidade dos Grandes Contribuintes. Este organograma deve incluir a estrutura acionista, bem como todas as participações detidas, indicando todas relações diretas ou indiretas com entidades offshore;

  • Defesa da criação de um registo internacional dos beneficiários efetivos das sociedades offshore.

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