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15. Escola pública, pilar de igualdade

15.1. Uma escola inclusiva, moderna e democrática

A pandemia revelou um substrato de desigualdade no sistema educativo português. Com a suspensão do ensino presencial, associada  a longos períodos de confinamento, a falta de recursos e de preparação para o ensino remoto de emergência marcaram quase dois anos de perdas de aprendizagens, perturbações sócio emocionais e uma limitação do desenvolvimento das capacidades sociais. 

À falta de computadores, de uma cobertura nacional de internet rápida e de orientações pedagógicas uniformes somaram-se as dificuldades de um corpo docente envelhecido e cansado e de contexto sócio-familiares desfavorecidos. Foram tempos eficazes para mostrar como as condições de origem, a literacia das famílias, a qualidade da habitação, e tantos outros fatores sócio-económicos determinam o sucesso escolar. A pandemia arrasou a tese neoliberal da meritocracia aplicada à educação.   

O Estudo do CNE “Efeitos da pandemia COVID-19 na educação: Desigualdades e medidas de equidade” refere que há “unanimidade nos diversos estudos e documentos consultados, nacionais e internacionais” sobre o “agravamento das desigualdades que, por sua, vez, se tornaram mais visíveis e atingiram mais alunos e famílias”.

Incluindo a recuperação de aprendizagens mas ultrapassando-a, o combate às desigualdades é a principal tarefa da Escola Pública nos próximos anos. O maior risco na prossecução desse objetivo é o desinvestimento em políticas de educação. O recente “Relatório Panorâmico sobre Demografia e Educação” do Tribunal de Contas dá o risco como certo e mostra como a tendência tem sido de redução das despesas que passaram de 4,8% do PIB, em 2000, para 3,9%, em 2020, e estima-se que decresçam para 3,8% em 2030. A UNESCO e a OCDE recomendam que o valor seja de 6%. Em Portugal já chegou aos 4% no início do século XXI e, neste momento, está em valores semelhantes aos da década de oitenta do século XX.

Gráfico 19 / Despesas com Educação, Saúde e pensões de velhice em % do PIB

Fonte: Tribunal de Contas

O aumento exponencial do investimento em educação tem de ser acompanhado de mudanças profundas nas políticas públicas de educação. O sistema educativo em Portugal tornou-se numa manta de retalhos, avulsa e incoerente, marcado pela agenda neoliberal e pela escassez de recursos. 

Concluída a reversão de algumas medidas da direita, o governo do PS resistiu às mudanças necessárias, tanto de política educativa como de investimento, como a vinculação extraordinária de mais de 7000 professores e professoras, a diminuição do número de alunos e alunas por turma ou a gratuitidade dos manuais escolares.

Ficaram por tomar, por recusa do PS, medidas tão importantes como a democratização do modelo de gestão, a reversão dos mega-agrupamentos e atribuição de autonomia às escolas, a revisão dos programas e do modelo de avaliação ou a revisão do regime de recrutamento e mobilidade dos docentes. O novo decreto de inclusão veio também evidenciar a necessidade reforçar as escolas com mais pessoal técnico, nomeadamente profissionais da psicologia, terapeutas, mediadores e mediadoras, animadores e animadoras culturais, tutores e tutoras, entre outras pessoas, para trabalharem em conjunto com todas as comunidades e com todos os alunos e alunas, tendo ou não diversidade funcional.

Gestão Democrática das Escolas

A escola tem que adotar modelos de gestão e funcionamento democráticos, revogando a legislação antidemocrática que subsiste no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato. A revogação da legislação sobre gestão escolar e estatuto do aluno, entre outras, é uma prioridade do Bloco de Esquerda. Defendemos um modelo com maior participação de alunos, professores e funcionários, e onde não sejam esquecidos os encarregados de educação e toda a comunidade em que a escola se insere. 

Mesmo perante as exigências da pandemia, os investimentos foram sendo feitos a conta gotas e dependentes de financiamentos europeus, como os 400 milhões de euros de fundos europeus para recursos digitais. Ainda assim, os computadores, tal como a contratação de assistentes operacionais, chegou tarde e insuficiente. Por outro lado, o anunciado reforço de docentes não chega para as necessidades de uma Escola Pública com escassez crónica de professores, sobretudo em algumas disciplinas.

Pede-se hoje à Escola quase tudo e não se pode exigir menos: que seja espaço de aprendizagem para a cidadania, para a liberdade, para os conhecimentos técnicos e científicos atuais, para a cultura, a arte e o desporto e que garanta condições de igualdade. Não há escola inclusiva sem uma política educativa que trabalhe esse objetivo. 

Uma verdadeira educação inclusiva passa, entre outros aspetos, por uma educação antirracista, uma educação sexual sem preconceitos, uma educação laica, aberta à diversidade cultural e de capacidades, e que promova o sucesso e a participação de todas as crianças e jovens.

Isso será impossível sem a participação de docentes e não docentes na organização da escola, sem um processo de reforma curricular participado por toda a comunidade educativa, sem a valorização de todo pessoal que trabalha na Escola e o respeito pelos e pelas estudantes. Até as tentativas de implementar práticas pedagógicas inovadoras, como o programa de autonomia e flexibilidade curricular e a introdução de aprendizagens essenciais, esbarram na continuidade de programas extensos e obsoletos, metas curriculares inalcançáveis, um modelo de avaliação obcecado por exames e na desarticulação entre os novos modelos desejados e a ausência de alterações significativas na formação de professores.

É necessário ainda abrir o debate sobre a organização por ciclos. Portugal tem o primeiro ciclo mais curto da Europa, decorrente de lógicas anacrónicas e desatualizadas. No primeiro ciclo observamos uma das médias mais altas da Europa de horas passadas em contexto de sala de aula dos alunos. A este debate tem de ser associado o debate sobre a formação contínua específica de docentes deste ciclo de ensino.

A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados, expositivos, decorrentes do elevado número de alunos por turma e da necessidade de formar e treinar para exames anacrónicos. Há ainda um longo caminho pela frente até a escola pública conseguir eliminar o abandono escolar, baixar as taxas de retenção e assegurar a possibilidade de terminar a escolaridade obrigatória garantindo igualdade de oportunidades e frequência para que a sua conclusão seja uma realidade em toda a sociedade. Se os manuais escolares gratuitos foram um primeiro passo, é necessário, agora, reforçar a ação social escolar e dotar as escolas e todos os alunos e alunas com as melhores condições de aprendizagem possíveis. É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade.

Gráfico 20 / População por nível de escolaridade (2000-2020)

Fonte: INE

Por fim, não pode haver educação inclusiva que não responda à persistência do analfabetismo e das baixas taxas de escolarização em Portugal. Há ainda 500 mil pessoas analfabetas no país, sobretudo nos meios rurais e entre as mulheres. Do mesmo modo, no quadro da Educação Permanente e do direito à escolaridade, é fundamental assegurar que os adultos que abandonaram a escola precocemente tenham a possibilidade de completar os 12 anos de escolaridade.  

As propostas do Bloco:

  • Abertura de um processo de reforma curricular e revisão de programas, com a participação de professores e professoras, estudantes, academia e organizações da sociedade civil mais relevantes em cada área, envolvendo o ensino superior para assegurar a necessária reforma na formação de docentes;

  • Revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar;

  • Revisão do estatuto do aluno e da aluna para valorizar participação e direitos;

  • Inclusão da desmaterialização dos manuais escolares no processo de transição digital;

  • Gratuitidade de equipamentos informáticos e de acesso a rede de internet;

  • Reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos e alunas com necessidades educativas especiais;

  • Valorização do ensino profissional com garantia de ensino unificado até 9º ano;

  • Alargamento do ensino articulado e das respostas públicas de ensino artístico;

  • Reforço das respostas de educação inclusiva nas escolas, com contratação direta de terapeutas e técnicos e técnicas especializados e alargamento da rede de unidades de ensino estruturado e multideficiência;

  • Revisão do modelo de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), Componentes de Apoio à Família (CAF) e Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF) de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a sua excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais;

  • Gestão pública das cantinas escolares com produção local e circuitos curtos de abastecimento;

  • Revisão da portaria de rácios, recuperação da especificidade funcional do pessoal não docente, revisão da tabela salarial das carreiras de assistente operacional e assistente técnico;

  • Reversão da municipalização e novo modelo de descentralização com base na autonomia das escolas;

  • Recuperação de um modelo de gestão democrático e fim dos mega-agrupamentos; 

  • Criação, na escola pública, de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade;

  • Adoção de uma estratégia descentralizada de erradicação do analfabetismo, com especial foco na população mais distante da rede escolar pública.

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