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21. Não dar tréguas aos preconceitos e à discriminação

21.1. Combater o racismo estrutural

Em Portugal a fragilidade das políticas públicas de efetivo combate à discriminação racial é flagrante, apesar da crescente visibilidade que a discussão sobre o racismo tem conquistado, resultante, em grande medida, da luta das organizações antirracistas.

Persistem na sociedade e nas instituições preocupantes manifestações de um racismo estrutural enraizado que priva as pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras comunidades racializadas dos seus direitos fundamentais.

Um grande número de pessoas que vive em Portugal é diretamente afetada por manifestações iníquas de racismo e discriminação com base nas suas características étnico-raciais ou nacionalidade, num exercício de alteridade e humilhação que afeta a dignidade, as oportunidades, a prosperidade, o bem-estar e, muitas vezes, a segurança.

Esta realidade foi exposta e ampliada pela crise social e económica provocada pela pandemia de covid-19. As pessoas racializadas foram desproporcionalmente afetadas pelo desemprego, pela perda de rendimentos e de direitos de trabalho.

Dados de um inquérito sobre racismo

Os dados do último European Social Survey (ESS) de 2018/2019 revelam que 62% dos portugueses manifestam racismo. As 1055 pessoas que responderam ao inquérito concordando com pelo menos uma das crenças de racismo cultural (crença de que há culturas muito melhores do que outras) ou de racismo biológico (crença de que há raças ou grupos étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores). Um em cada três portugueses concorda com todas as crenças em racismo biológico e cultural (32%). Apenas 11% da população discorda de todas crenças racistas.

Queixas por racismo arquivadas

A investigação realizada no âmbito do projeto COMBAT pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra revela que, entre 2006 e 2016, cerca de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) na sequência de queixas feitas por discriminação foram arquivados, uma significativa parte dos quais por prescrição (22%).

O racismo mata. É isso que provam os brutais assassinatos com motivações racistas de Alcindo Monteiro, no dia 10 de junho de 1995, e Bruno Candé Marques, em julho de 2020. Por outro lado, persistem os casos de violência policial contra pessoas afrodescendentes e ciganas que muitas vezes redundam em impunidade dos infratores. As pessoas racializadas são mais paradas e identificadas pela polícia, num processo de criminalização e controlo dos corpos negros. As agressões a vários moradores da Cova da Moura na esquadra de Alfragide em 2015, à família Coxi em janeiro de 2019 no Bairro da Jamaica e a Cláudia Simões em janeiro de 2020 por um agente da PSP na Amadora, são alguns dos casos mais recentes e mediatizados de uma violência policial que resultou em mais de dez jovens negros mortos pelas forças policiais desde o início deste século, quase sempre de forma impune.

Violência policial

Num relatório divulgado em 2019, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT) reportou que a violência policial e os maus tratos nas prisões são frequentes em Portugal e que as pessoas afrodescendentes, nacionais ou estrangeiras, estão mais expostas a essas violações de direitos humanos. A Amnistia Internacional Portugal tem também alertado para o problema.

De acordo com dados da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2020 registaram-se 1073 queixas contra a atuação das forças de segurança, verificando-se uma subida de cerca de 12% entre 2019 e 2020.

Empurradas para a periferia dos centros urbanos ou para os arredores das localidades do interior, as comunidades racializadas, sobretudo negras e ciganas, são desproporcionalmente afetadas por processos de segregação territorial que as tornam mais vulneráveis ao isolamento, à exclusão social, à precariedade habitacional, à falta ou dificuldade de acesso a serviços públicos de qualidade (transportes, educação, saúde, respostas sociais, etc.), a violentos processos de despejo e demolição das suas casas e à criminalização dos territórios que habitam, estigmatizados como “bairros problemáticos” e sujeitos a um permanente estado de exceção.

A estas expressões de discriminação a que as comunidades racializadas estão sujeitas acresce, de forma evidente, a maior precariedade laboral, taxas mais elevadas de desemprego, a sub-representação em profissões qualificadas e sobre-representação em profissões menos valorizadas socialmente e com pior remuneração.

Que tudo isto seja acompanhado de uma taxa de encarceramento das comunidades racializadas claramente superior à média é um retrato cru da realidade do racismo estrutural.

Racismo, precariedade e desemprego

Dados do INE mostram-nos que os trabalhadores e as trabalhadoras racializados estão três vezes mais representadas em profissões menos qualificadas, e para esse tipo de profissões recebem em média menos de 103 euros mensais, ao passo que enfrentam taxas de desemprego duas vezes mais altas.

Na educação, persistem práticas como a existência de turmas exclusivamente constituídas por alunas e alunos ciganos, afrodescendentes ou descendentes de migrantes, taxas mais elevadas de retenção no ensino básico e secundário e de encaminhamento para cursos profissionais para estudantes nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa, condicionando a frequência do ensino superior, ao qual esses alunos e alunas acedem cinco vezes menos do que os e as estudantes com nacionalidade portuguesa. A isto acresce a quase total ausência de docentes e dirigentes escolares pertencentes a grupos racializados e a inexistência de programas de ensino multilingue que incluam as línguas das comunidades de origem, bem como a persistência de uma visão eurocêntrica nos currículos e nos manuais escolares, que frequentemente perpetua estereótipos e invisibiliza o conhecimento produzido e reproduzido por sujeitos racializados.

Desmantelar o edifício que sustenta o racismo é um imperativo de um projeto socialista do século XXI e requer, desde logo, o reconhecimento de que ele existe e se intersecta, mas não se confunde, com outros fatores de exclusão e de desigualdade. É preciso conhecermos a sua natureza, os seus processos, os seus efeitos, as suas múltiplas manifestações, a sua relação com outras categorias de opressão com as quais concorre para produzir desigualdades. 

O Bloco confere centralidade às políticas de promoção de igualdade e de combate ao racismo. É tempo de romper com o estado de negação face ao racismo e ao discurso de ódio. O racismo institucional deve envergonhar um Estado de Direito que tantas vezes se vangloria das suas políticas de “integração”. O nosso compromisso é combatê-lo. 

As propostas do Bloco:

  • Criação de um organismo autónomo na administração pública responsável por, para além de executar medidas políticas transversais, desenhar programas específicos em função das necessidades e áreas de intervenção no combate às desigualdades étnico-raciais, do acesso ao emprego público à frequência do Ensino Superior, no qual estejam representadas organizações das comunidades racializadas, de imigrantes e antirracistas;

  • Formação específica das forças de segurança contra o racismo, prevenção e combate a práticas de perfilamento racial e apuramento rigoroso dos factos em situações reportadas de violência policial com contornos racistas;

  • Alocação do financiamento afeto aos Contratos Locais de Segurança, em vigor em bairros com forte presença de comunidades racializadas, a programas que tenham em vista a redução da vulnerabilidade social, a promoção da empregabilidade e o combate à discriminação racial, abandonando o paradigma de intervenção assente na criminalização dos bairros;

  • Fim dos despejos e demolições forçados em territórios com forte presença de pessoas e comunidades africanas, afrodescendentes e ciganas, sem a existência de uma alternativa de habitação digna;

  • Medidas legislativas e inspetivas especiais para proteção dos direitos laborais e combate à precariedade e exploração laboral nos setores de atividade em que pessoas provenientes das comunidades racializadas, em especial as mulheres, estão desproporcionalmente presentes (trabalho doméstico assalariado, serviços de limpeza e cuidadoras);

  • Medidas de ação afirmativa para promoção da igualdade e de combate à discriminação racial no domínio laboral, nomeadamente ao abrigo do artigo 27.º do Código de Trabalho, como forma de assegurar o acesso e representatividade nos vários setores de atividade, em particular no setor público, de pessoas racializadas;

  • Criação de Gabinetes de Inserção Profissional, como estrutura de apoio ao emprego em territórios economicamente desfavorecidos com forte presença de comunidades racializadas;

  • Alteração do Código Penal, no sentido de abranger práticas de discriminação racial atualmente cobertas pelo regime contraordenacional;

  • Realização de inquérito que permita caracterizar a composição étnico-racial da população e conhecer melhor a discriminação e desigualdade com base na origem ou pertença étnico-racial existentes na sociedade portuguesa;

  • Realização de um estudo nacional, de natureza abrangente e transversal, sobre discriminação racial, em articulação com as organizações antirracistas e representativas das diversas comunidades racializadas;

  • Constituição de um Observatório de Combate ao Racismo e à Xenofobia, para realização de estudos e recolha, análise e difusão de informação sobre racismo, discriminação racial e xenofobia;

  • Concretização de programas de formação para docentes e outros agentes educativos para promoção da igualdade racial e valorização da história, línguas e culturas das comunidades migrantes e racializadas mais representadas, nomeadamente afrodescendentes e Roma/ciganas;

  • Abertura dos manuais e outros materiais escolares a novas correntes problematizadoras dos legados históricos e culturais, no quadro de um processo de revisão curricular mais amplo;

  • Oferta de ensino bilíngue nas línguas mais utilizadas em cada comunidade escolar;

  • A formação e contratação de mediadores e mediadoras escolares oriundos das comunidades racializadas mais representadas localmente;

  • Fim das turmas e escolas segregadas e do desproporcional encaminhamento de alunos e alunas do ensino básico das comunidades racializadas para vias profissionalizantes;

  • Criação de um contingente especial para candidatos e candidatas das comunidades racializadas no Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior;

  • Adoção de um Plano Nacional de Ação para implementação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024);

  • Criação de equipamentos que ajudem a difundir um conhecimento mais completo e rigoroso da história do país, designadamente da escravatura, do colonialismo; e do contributo de outros povos e comunidades para a sociedade e a cultura portuguesas;

  • Desenvolvimento de um processo participado de revisão crítica das políticas de memória nacional, através da criação e apoio a equipamentos e programas culturais que promovam uma visão de(s)colonial da História e da cultura e incluam perspetivas e contributos de comunidades historicamente discriminadas e da recontextualização histórica dos equipamentos e lugares de memória existentes;

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas;

  • Inclusão, no desenvolvimento de todas estas medidas, da participação direta de organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas.

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